domingo, 28 de dezembro de 2008

Relicário

Mande notícias do mundo de lá, diz quem está. No quarto de Juliana o chão está melado de cerveja com suor e risadas. Maria Rita com sua voz, Ney Matogrosso com sua performance, Thiago com sua luz e Wilker com seu calor fazem sua participação especial, cada um à sua maneira. Ingredientes essenciais ao bom convívio de todos os objetos e partículas que gravitam em torno das doze fálicas-garrafas que compramos com moedas de vinte-e-cinco centavos.

Ô lá lá, ô lá lá, iêa!

Ensaio sobre a cerveja. Aos êta nóis!, etanóis que fazem deste fim de ano uma coletânea de bons acontecimentos. Ju, Paty, Mãozão, Alê, Thales, Carol, Renata, Mari, Anne, Paola, Lívia, Waldyr, a bênção de cada manhã. Alex Sandro, Bia, Miguel, Fiorese, Polyana, Nena, Chico Bucho, Lili as bênçãos vindas d'além. Gino, a moça da Globo, Massaroca, Anita, Jackson, Mariana, Tirrisquei, Gilmar, rodem as saias da Imperatriz Leopoldina. Márcia, Elzira, Maristela, Sânzio, Diego, Cla, Júlia e Júnior, as bênçãos de uma outra família. Manu, Tia Jaci e Tio Ronaldo, as bênçãos de estar junto em liberdade. Lara, Renata, Luiz Guilherme, Marco André, Flavinha, Juliana, Saint'Clair, as bênçãos daqueles que foram, são e serão eternos. Ao Fernando de sempre, não importa como. Ao Albert, Márcia, Mara e Raphael, pelo carinho de sempre. Ao Zizo, Wagner, Ingrid e Patrícia pela coragem, dedicação e por estarmos para sempre não-esquecidos. A Theo, Sid, Aly, Uilco, Alex, Flávio, Marcelo, Nina, Luiz por fazerem de BH a cidade mais acolhedora desse mundo. A Miguel e Flávia por serem o que são e isso já basta. À Regina. À Prill por nos mostrar que o Rio continua lindo. Ao Sidnei, à Sibele, ao Inácio e à Maria. À Mercedes, Agustín e Martín pela hospitalidade. A Buenos Aires por sua decadente beleza. A Bruno pelo copo no sofá. Àqueles que não estão aqui.

À Gelza.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Noite densa

"Quando se acorda de noite, você está perto de tudo, qualquer coisa lhe é muito próxima, vida, morte, pessoas."

Adélia Prado in Manuscritos de Felipa

domingo, 23 de novembro de 2008

Uma mínima reflexão acerca de vestibulares e cotas

A Universidade Federal de Juiz de Fora, há alguns anos, disponibiliza cotas para o ingresso de negros na referida instituição em ambos processos seletivos: Concurso Vestibular e Programa de Ingresso Seriado Misto, conhecido por Vestibular Seriado.

Entretanto, as inscrições só podem ser feitas através da internet. Agora, acessando a página da UFJF, acabo de ver que o Manual do Candidato está disponível para download.

Resumo da ópera: você pode se autodeclarar negro, mas para isso precisa ter acesso à internet e a uma impressora com a finalidade de ter em mãos as 48 páginas de instruções acerca do concurso.

De domingos e borboletas

Lex: Por que domingo dá fome?

Juliana: Acho que são as borboletas.

Dux: Ah, Lex, o Dux tá sempre com fome!

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Boêmio

Sob a noite enluarada
Um moço a passear
Com ar de curioso
Resolve a vida espiar

Dobrando uma esquina
Um mendigo e sua cruz
Prepara seu leito de sono
Ali na rua à meia-luz

Ao passar por uma praça
Uma mulher o seduz
Joga todo seu encanto
Ali na rua à meia-luz

O moço a passear
Segue o caminho que o induz
A observar a vida à noite
Ali na rua à meia-luz

Mais à frente em um gueto
Pai-de-santo traduz
As mensagens de seus deuses
Ali na rua à meia-luz

Volta o jovem a meditar
Seu pensamento o conduz
Na madrugada sob o luar
Ali na rua à meia-luz

escrito em junho de 2000

sábado, 15 de novembro de 2008

Paradigmas

... e depois de dois anos vivendo em ilusão, a Marcela descobre que o sapo que ela alegremente carrega dependurado em seu chaveiro é, de fato, um hipopótamo.

... foi uma quebra de conceitos....

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Verso simples

Quis escrever um simples verso
Não uma grande poesia
Num grande hepteto
Com métrica em redondilha
Maior ou menor.
Sei que um simples verso
Não pude escrever
Mas este pormenor,
Detalhe que seja,
Vale pelo que há de maior:
"Eu amo você".

escrito em 2000

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Uirapuru

Uirapuru piou pode saber, é chuva que vem de longe. Dona Célia num acredita não, diz que é coisa de superstição e depois xinga São Pedro quando vai correndo tirar as roupas do varal. Eu já me fico precavida de antes. É só ter ouvido de ouvir: uirapuru piou, é água que vai desabar. Cumpade Muriqui Bom-Dia gosta duma água, daquela que uirapuru num atreve a beber. E vai ele toda manhã pra venda do Seu Tibúrcio sempre na mesma hora, mais pontual que o sino da paróquia. Leva o pregão de boca em boca: bom dia, Dona Amélia; bom dia, dotô Maciel, tá elegante o senhor; bom dia Dona Leci - bom dia, Cumpade Muriqui, e vou passar café, que de água preta vem mais saúde. Padre Florêncio diz que o que dá na terra é bom pro corpo. Nunca vi pé de igreja, nem de hóstia, e de bom pro corpo Padre Florêncio me visita dia sim dia não pra elogiar minha broa. É milho, só pode fazer o bem. Dona Cicinha aparece vez e quando e traz massa de pão de queijo que ela comprou em Belo Horizonte. Cidade bonita, diz ela, cheia de prédio plantado. Só que duvido dela que tem pé de prédio. De pão de queijo então... os que ela traz num tem gosto. Onde vai Padre Florêncio vai Dona Cicinha cuidando dele e bem sei eu que o que ela gosta é de ficar lá no altar posando de vestido novo todo domingo. Vestido de Belo Horizonte, claro, fazenda da fina. Eu modo de num me incomodo com minha saia preta. Vou de calça não, acho afronta. Calça é pra trabalho, pra varrer a casa, limpar o terreiro e amassar pão. Ver Deus e diferente, tem que caprichar. Tenho um trato com Dona Célia, ela pinta meu cabelo e eu pinto o dela de dourado, nem comento do uirapuru. O meu é de preto mesmo, o que importa são as idéias. Se cabelo dourado brotasse de cabeça boa, Seu Armando num roçava pasto, era prefeito. Esse sim, homem rico, estudado, tem terra a num poder imaginar. E tem tanto empregado que parece manada, e pelo que ouço eles comentando na rua, trabalho que vem da terra num é bom pro corpo. Daí Padre Florêncio diz que trabalhar árduo salva. Sei também que ele reza uma missa que não dessas de igreja depois do almoço em dia de domingo na casa de Seu Prefeito. Sinhá Mariluce, mulher dele, é devota fervorosa de Santa Clara e faz agradecer as aventuranças todo dia onze de agosto. E como o povo gosta de aumentar, dizem até que a santa apareceu pra ela em sonho, revelando que Seu Prefeito vai ganhar dinheiro do alto. Padre Florêncio diz que é mensagem do céu, quase milagre. Um milagrinho, coisa bonita de botar no jornal. Melhor nem saber quanto Padre Florêncio pediu de dízimo. Veio gente da cidade grande investigar e ficaram me perguntando o que sabia. Sei de nada não, sim senhor. De sonho meu sei bem e santa é que num tem aparecido por essas bandas. Num entendo esses de gravata que mandam subir igreja basílica e esquecem que Deus gosta de simplicidade. Viesse na minha casa, ia ter tudo de muito simples, lençol branco, pão fresco e bata engomada. Que além de teto num carece mais de viver. Tenho certeza que Deus sabe ouvir o pio do uirapuru e ouve direitinho quando rezo baixo no quarto. Deus nunca me falhou e também não peço coisa de muita. Peço saúde e cabeça boa sem cabelo dourado. E pra fazer uirapuru cantar quando tá perto de época de colheita.

sábado, 1 de novembro de 2008

Falar de mim?!?

Bom, já tentei arduamente ser normal, mas nunca consegui estabelecer parâmetros e hoje gosto de viver na diferença. Gosto de todo dia, pelo menos, ter uns 15 minutos de conversa inteligente, daquelas que te deixa pensando no banho. Adoro pensar no banho. E antes de dormir. Gostaria de rezar mais do que o faço. Sou tímido e muitas vezes calado. Aprendi que certas coisas não se falam. E tenho medo de saber falar só dessas coisas. Adoro Clarice Lispector, só que tem um tempo que estou de jejum dela. Não gosto de TV. Mas gosto de assistir a filmes. Também não gosto de beber água e por isso mesmo tive cálculo renal. Aprendi a tomar água mesmo sem vontade. Gosto de andar à pé sem rumo, ou pelo menos, aparentemente sem rumo. Adoro suco de laranja, bolo de cenoura, quindim, chocolate e suco de maçã com soja. O de uva com soja também é bom e tem uma cor esquisita. Quer me ver feliz? É só juntar uma turminha gostosa, com música boa, uma bebidinha qualquer (pode ser refrigerante) e não preocupar com horário. Gosto de estar em lugares onde me sinta em casa. Sou muito caseiro. Canceriano. Dizem que é assim... Corajoso mas inseguro, ousado mas clássico. Minha busca nesse momento da vida tem sido o real, o tátil, o que pode ser experimentado. E já experimentei muita coisa. Só jogo um jogo no computador: SimCity 4. E posso ficar dias jogando! E adoro um buraco, daqueles que vai noite adentro com café e pão-de-queijo. Só que não sou de comer pão-de-queijo. Podemos trocar pela broa? Tenho preguiça de acordar e de fazer a barba. Adoro dirigir na estrada, não se importe com os solavancos na cidade. Há dias que tenho vontade de mato, outros de praia, outros de céu. Falo a língua das tempestades, mas isso deveria ser um segredo. Só sei desenhar palitinho e isso me frustra. Já rabisquei poesia, mas não mais. Há dias que me sinto velho, há dias que me sinto estúpido, e há dias que dá vontade de sentar e ver o sol se pôr. Gostava de conversar com a janela, mas desde que mudei, não fiz amizade com a nova. E já são 4 anos e meio. Tem horas que acho que Deus lembra de mim. Tem horas que tenho certeza que ele está comigo.

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Todo dia eu faço tudo sempre igual, me sacodo às...

...5h40. Acordo. Vou à cozinha, masco duas folhas de hortelã em jejum para manter um bom hálito ao longo do dia e encaminho-me ao banheiro. Faço minha higiene pessoal, visto minha roupa de ginástica e saio para uma caminhada. 6h00. Ando ao longo da avenida principal de meu bairro, pelo jardim central. São dois quilômetros e meio de ida, dois e meio de volta, em um total de cinco quilômetros. Enquanto me exercito para manter o colesterol HDL acima de 64mg/dl e o total abaixo de 171mg/dl, ouço em meu iPod Nano de 4GB as músicas que vieram nos CDs que acompanham as edições de uma revista de saúde que compro desde o primeiro número. Ajudam a me manter relaxado e influem na distribuição de energia por todos os meus chacras. Musicoterapia, dizem. Li em uma das reportagens dessa revista que quem dorme cedo e acorda cedo reduz em mais de 25% as probabilidades de doenças coronárias e neurológicas. Li também que exercícios regulares mantêm o corpo jovem, como se desacelerassem o tempo. 6h50. De volta à minha casa, tomo 200ml de suco de laranja e abacaxi, que ajudam no combate aos radicais livres, como uma fatia de queijo branco emparedada por dois biscoitos água-e-sal. Tomo um banho frio e rápido, assim colaboro comigo e com o planeta: não gasto muita água, nem energia, além de evitar que a pele envelheça precocemente pelo efeito acumulado do banho quente. 7h30. Assisto aos 40 minutos do telejornal matutino para me informar e assim ter o que conversar com os colegas. 8h10 saio de casa à pé em direção ao meu trabalho aproveitando o curto horário em que os raios ultravioletas solares são transmitidos em estado carmático, período que vai das 8h02 às 8h23. 8h30. Após ter equilibrado minhas energias físicas e espirituais e ter colaborado com a produção de vitamina D, chego à empresa, desejo bom dia às secretárias, tomo as 4 pílulas homeopáticas que me previnem de doenças alérgicas e equilibram as cores da minha aura, leio em média 47 e-mails e dou início às tarefas do dia. 11h40. Desço ao refeitório para o almoço. São duas folhas de alface, três rodelas de tomate, ramos de chicória, agrião e rúcula, pedaços de cenoura, pepino e beterraba, uma colher de sopa de arroz parboilizado e suplemento de fibras, em um total de 457 kcal. São 32 mastigadas antes de ingerir o alimento. Líquidos apenas 30 minutos depois da refeição, para não fermentar junto com a comida e inchar o estômago. Após mais 240 minutos de trabalho, retorno à pé para minha casa, sem antes passar no mercadinho natural para reabastecer minha dispensa com pães integrais, geléias naturais, mel e pílulas de alho. 18h20. Chego ao apartamento, ouço os 3 recados na secretária eletrônica, visto minha sunga de R$ 150,00 e desço à piscina para nadar 500 metros. 20h00. Ligo o computador para ler as 15 notícias diárias sobre saúde e bem-estar no meu RSS feeder, e confiro a fatura de meu cartão de crédito para estar seguro de que debitaram os R$39,90 que pago mensalmente ao site de relacionamentos em que estou cadastrado, onde, em vão, tento achar, dentre as 12.485 possibilidades, o amor da minha vida.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Autopsicografia

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.



A primeira estrofe de Autopsicografia, poema de Fernando Pessoa, traz a voz do texto a falar de seu autor. Esta voz, que conduz o leitor ao longo da obra, revela em seus primeiros versos que o poeta é um fingidor.

Fingir é um processo que envolve a falsidade, ou seja, em termos semióticos, é fazer com que algo pareça ser o que não é. Contudo, a dor sentida é verdadeira ("a dor que deveras sente"), ou seja, ela é e, por isso, não pode ser fingida. O poeta então, para que seja um fingidor, finge não a dor, mas quem a sente. Em outras palavras, o autor outorga à voz-condutora a faculdade de sentir a sua dor genuína de poeta. Como a voz é uma entidade virtual, a dor que lhe é permitida sentir assume também esse traço de virtualidade, passando a ser uma dor "fingida", já que ela parece ser verdadeira, mas não o é.

Os leitores, por sua vez, independente de quem sejam e do grau de envolvimento com o que lêem, se aprazem com a dor lida. No entanto, cabe distinguir dois tipos de leitores: aqueles que se contentam com uma leitura superficial do texto, chamados de leitores de primeiro nível, daqueles que mergulharão fundo no texto e buscarão desvendar o fingimento do poeta, conhecidos por leitores de segundo nível.

Partindo para uma compreensão mais aprofundada do poema, os leitores devem saber distinguir as duas dores, a fingida da sentida, e notar que ambas pertencem à esfera dos autores e não à sua. Todavia, a dor percebida pelos leitores também não pertence ao seu universo ("mas só a que eles não têm") figurando apenas no momento em que as duas entidades do discurso – voz e leitor – entram em sintonia. Neste ponto o leitor, por sentir momentaneamente uma dor que não é sua, também se torna um fingidor. Ele cede às artimanhas do poeta e põe-se apto a fruir o gozo estético da obra.

domingo, 7 de setembro de 2008

Reino deste mundo

"E compreendia, agora, que o homem nunca sabe por quem sofre e espera. Sofre, espera, e trabalha para pessoas que nunca conhecerá e que, por sua vez, sofrerão e esperarão e trabalharão por outros que também não serão felizes, pois o homem deseja sempre uma felicidade muito além da porção que lhe foi outorgada. Mas a grandeza do homem consiste precisamente em querer melhorar a si mesmo, a impor-se Tarefas. No Reino dos Céus não há grandeza a conquistar, pois lá toda a hierarquia já está estabelecida, a incógnita solucionada, o viver sem fim, a impossibilidade do sacrifício, do repouso, do deleite. Por isso, esmagado pelos sofrimentos e pelas Tarefas, belo na sua miséria, capaz de amar em meio às calamidades, o homem poderá encontrar sua grandeza, sua máxima medida, no Reino deste Mundo."

CARPENTIER, Alejo in El reino de este mundo.

sábado, 16 de agosto de 2008

Pátria minha


A minha pátria é como se não fosse, é íntima
Doçura e vontade de chorar;
Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias
De minha pátria, de minha pátria sem sapatos
E sem meias, pátria minha
Tão pobrinha !

Pátria minha... A minha pátria não é florão, nem ostenta
Lábaro não; a minha pátria é desolação
De caminhos, a minha pátria é terra sedenta
E praia branca; a minha pátria é o grande rio secular
Que bebe nuvem, come terra
E urina mar.

Não te direi o nome, pátria minha
Teu nome é pátria amada, é patriazinha
Não rima com mãe gentil
Vives em mim como uma filha, que és
Uma ilha de ternura: a Ilha
Brasil, talvez.

Vinícius de Morais

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Mais limites

Fernando Pessoa, sob o heterônimo Ricardo Reis, nos brinda esse belo poema que submeto à apreciação:

Não só quem nos odeia ou nos inveja
Nos limita e oprime; quem nos ama
Não menos nos limita.
Que os Deuses me concedam que, despido
De afectos, tenha a fria liberdade
Dos píncaros sem nada.
Quem quer pouco, tem tudo; quem quer nada
É livre; quem não tem, e não deseja,
Homem, é igual aos Deuses.


Interessante que, também nesses versos, esbarramos com a questão limites e amor, assim como na música do post anterior. Em suas primeiras linhas, o enunciador principal começa uma enumeração de pessoas cujos atos nos são limitantes ou opressores: pessoas que nos odeiam, pessoas que nos invejam; mas não só elas, a lista está ainda incompleta. Aqueles que nos amam também nos põem sob as mesmas condições: nas bem escolhidas palavras de Reis, "não menos nos limita". Eis uma forma de nivelar por cima, assim como em Moi non plus.

Quem odeia, inveja e ama limita, ainda que não na mesma intensidade, ao menos em um mínimo comum aos três. Em uma resposta moi non plus - eu não te amo mais do que você a mim - pode-se pensar, então, que acima desse limite, desse território definido para a ação do amor, está a opressão do amante sob o amado.

Quem ama, deseja. Quem ama quer e espera algo do objeto amado. Quem ama manipula o amado com vistas a sanar a tensão ocorrida pela disjunção entre sujeito (amante) e objeto (amado). Nós, enquanto sujeitos, buscamos incessantemente a conjunção com o objeto desejado. Contudo, esse objeto é também sujeito e está em constante mudança, algo com o que o amor ainda não aprendeu a lidar. A disjunção amante-amado é perene, uma vez que nunca conseguiremos amalgamar o amado e torná-lo totalmente parte de nós. Ainda que tal fato ocorresse, não solucionaria a tensão sujeito-objeto, pois o desejo ressurgiria em busca de um novo objeto, que não o amado, com a finalidade de saciar o impulso humano de sempre mais.

Tal poema é de tamanha genialidade que, ao fim, Ricardo Reis elucida: quem quer pouco, deseja pouco e, por fácil conseguir realizar seu desejo, tudo tem; quem nada quer, pela ausência de desejo, lima em si tensão e disjunção, sendo livre por tal conquista; já quem nada quer nem deseja é um sujeito completo em comunhão consigo, um círculo fechado: a imagem de Deus.

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Moi non plus

"Je t'aime
Oh, oui, je t'aime

-Moi non plus"


Estes são os versos do refrão [se se pode chamar refrão] de uma música francesa muito divulgada na época de seu lançamento. Aqueles que já a ouviram, com certeza reconheceram de primeira, já quem não ouviu ou não se lembra, essa música se tornou famosa por ser cantada de uma forma erótica por Jane Birkin, que simula gemidos de prazer sexual, enquanto Serge Gainsbourg simula o macho dominador com sua voz grave e também sussurrante.

A letra, em si, não possui nenhum atrativo ou algo de muito explícito. A relação sexual é tratada através de metáforas tais como "tu és a vaga / e eu a ilha nua" e "eu vou e venho / entre teu quadril". Agora, o mais interessante são justamente os versos que abrem este post.

Em uma tradução adaptada à nossa realidade, diríamos:
"Te amo
Oh, sim, te amo

-Eu também"


Contudo, se traduzíssemos ao pé da letra, teríamos:
"Te amo
Oh, sim, te amo
-Eu não mais"

Entendo que a intenção do compositor, ou da própria língua francesa, seja nivelar o amor de ambos. Um não ama mais que o outro. O amor é contrário apenas em sentido, indo de um para o outro e do outro para o um, mas não em intensidade, sendo iguais no mesmo patamar. Observe que, segundo esta interpretação, o amor é nivelado por cima, por um teto. O eu-lírico, ao dizer que não tem mais amor pela segunda personagem do que ela por si, sutilmente impõe um limite superior ao amor, mantendo-o restrito a esse máximo.

Este pensamento é contrário à percepção de amor que a maioria de nós temos, o do amor infinito e, muitas vezes, incondicional, à imagem do amor divino. Quando dizemos que também amamos a alguém, não estabelecemos nível de intensidade, mas também não há limites. Uma forma de contornarmos este problema seria enunciar: "amo-te na mesma intensidade" ou talvez "amo-te da mesma forma que me amas" [muito mais envolvente que o pífio idem algumas vezes utilizado].

Pertinente ao tema torna-se a pergunta: "tenho limites ao meu amor"?

Florbela Espanca já tem a resposta para si:

"Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: Aqui... além...
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente...
Amar! Amar! E não amar ninguém!"

E mesmo que o amor seja desfeito, ela contesta:

"Sobre um sonho desfeito erguer a torre
Doutro sonho mais alto e, se esse morre
Mais outro e outro ainda, toda a vida!

Que importa que nos vençam desenganos,
Se pudermos contar os nossos anos
Assim como degraus duma subida?"

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Tempus fugit

É noite e mais um dia se finda,
nossos dias de incontáveis horas.
Finda também os dias de luz extendida,
ganhamos uma hora
- prorrogação técnica -
grão de areia na imensidão
da praia.
Recolho todos os relógios da casa.
Apago as luzes, deito-me ao seu lado.
O tempo se esvai
na cadência desritmada
das batidas do seu coração.

terça-feira, 17 de junho de 2008

Bem leve

"Tudo que pensa passa. Permanece
a alvenaria do mundo, o que pesa."
P. Britto

Se me perguntarem sobre a morte, direi que não estou preparado para sua chegada. Arrisco dizer que nunca estarei pronto para tal evento, por mais certo e irremediável que seja. Quando fechar meus olhos, o que será depois? O eterno sono? Uma continuação em outro plano da vida aqui vivida? Nessas horas pode até ser reconfortante imaginar a existência de um ser superior, criador e mantenedor da vida; mas de que me adianta se com suas vastas mãos não afasta de mim o derradeiro fado?

Nascer, crescer e morrer. Para quê? Será capricho dos deuses ou parte de uma obra maior? Não vejo graça em não saber. Sinto-me enganado, iludido, ludibriado. Um joguete nas mãos de... nas mãos de quem? Se há alguém responsável pela vida, que saiba: não há graça nenhuma em não saber o que será depois, o que foi antes e o porquê do agora. Se deve haver sofrimento, resignação, provas e expiações, não sei, mas pergunto a ti: não te compadeces dos vivos que sentem a morte de um ente próximo? Não tens pena de tirar a uma família um membro seu? Como ficam então as belas palavras de compaixão e misericórdia diante de ato tão mesquinho, diante de momento tão solitário?

Há os que na morte vêem beleza. Contudo, digo: graça? Não. Não há. Sua presença incomoda e sufoca.

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Amanhã é dia de Santo Antônio

Então amanhã é dia de Santo Antônio, tem missa na Catedral, bênção e distribuição dos pães, muita gente rezando e agradecendo e, além do mais, é feriado. Simpático esse santo. Fui criado para admirá-lo e somos mezzo xarás. Minha mãe, no desespero de engravidar, se pegou na reza com Tõin e depois que ela, enquanto brasileira e católica não-praticante, desistiu, eis que surjo. Uma homenagem justa, afinal foi a única pessoa que ela teve a paciência de esperar até que tomasse alguma decisão.

Santo Antônio era português, de Lisboa, mas viveu e morreu na região de Pádua, na Itália. Lá tem um santuário erguido em sua homenagem onde sua língua, única parte de seu corpo que não se decompôs, fica exposta aos curiosos. É interessante observar como que o catolicismo louva a morte. Da língua de Santantônio até a cruz, os símbolos da Igreja são claras referências ao derradeiro fim. E dia desses, Gusta sabiamente alertou: "imagina se ao invés de louvarmos o filho de Deus morto, louvássemos o filho de Deus vivo". E desse dia em diante minha vida mudou.

Seguidor de São Francisco, nosso amigo aí do post foi pregador também na África. Um belo dia, em regresso à Itália, o barco que o transportava acidentou-se na costa da Sicília e, junto com seus amigos de empresa, ficou alguns dias vagando por lá até ser achado. E sabe quem era um dos amigos do Santo? Fibonacci! Aquele maluco matemático que criou uma seqüência numérica muito doida de onde veio o número áureo, o preferidinho de Deus na arquitetura da natureza.

Só que a vida do gajo não pára por aí. Enquanto Fibonacci trazia do Oriente Médio o número zero para a Europa, revolucionando, assim, a contabilidade e o cálculo dos juros pelos usurários, Santo Antônio fazia o contrário. Utilizando o dom da oratória, convencia o povo a lutar contra a tirania dos agiotas ao dizer que maior tesouro carregava consigo, o que era verdade, ... mas não era tão rápido que trazia a riqueza desejada pelos homens. Talvez seja por isso que minha mãe tenha agüentado esperar.

O fato é que tão querida personagem povoa hoje o imaginário de muitos povos, sendo um dos santos mais famosos no Brasil. Exemplo de sabedoria e virtude, Fernon Martin di Bulhon y Tavera Azeyedo de batismo, Santo Antônio de canonização, é um sujeito muito gente fina de quem eu gosto bagarai!

terça-feira, 10 de junho de 2008

Canción cubana

Essa vai especialmente para os Belletristas:

¡Ay, José, así no se puede!
¡Ay, José, así no sé!
¡Ay, José, así!
¡Ay, José!
¡Ay!

segunda-feira, 9 de junho de 2008

A sem-noção nossa de cada dia

É certo que todo dia acontece algo de sem-noção conosco. Se você ainda não notou é porque está desatento. Sempre acontece algo inusitado, para não dizer insólito, conosco ou ao nosso redor todos os dias. Ainda que você fique em casa o dia todo deitado na sua cama só olhando para o teto - o que já é um fato por si estranho - esteja certo, irá acontecer algo para quebrar a rotina.

Hoje aconteceu algo assim comigo. Bem, não comigo, mas ao meu redor que atingiu o mau humor em que tenho estado ultimamente. Eis que no meio da aula de Latim ouço o intercurso:

- Fulana, o seu pai chama X?
- Não. Por quê?
- Ah, porque me mandaram perguntar aqui na sala sobre alguém que tem o pai chamado X e que, nada contra, é meio gordinha.
- !!!!

A minha vontade foi intrometer e completar:

- Fulano, seu pai chama Y?
- Não. Por quê?
- Porque mandaram eu perguntar aqui na sala sobre alguém que tem o pai chamado Y e, nada contra, é meio retardado.

Deus, dai-me paciência!

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Você sabe que está no emprego certo...

... quando seu chefe chega na sua sala às 15h32 e deixa uma latinha de cerveja na sua mesa.


E diz que é assim que se trabalha.

quarta-feira, 30 de abril de 2008

A comida minha dos últimos dias


Não, vocês estão enganados. Isso não é vaca atolada. É lex atolado.

domingo, 20 de abril de 2008

Do meio do estudo...

... sai essa:
- Macho que é macho pinga Buscopan na língua e vira cerveja por cima.

E a cerveja fica doce.

P.S.: Platão tem cara de quem comeu atum e não gostou.

Hiperultramegaligadão, cara

Impressiono-me com o poder da informática. Basta ligar alguns cabos, apertar alguns botões e o mundo, com quase toda sua vastidão, abre-se em fachos de luz coloridas que saltam de telas de cristal líquido com módicos centímetros de espessura. Sendo que pode-se até preterir os cabos. Com uma bateria e conexão wireless, para que atar-se ao temeroso passado dos fios empoeirados decorando a parede do quarto?

É tudo muito simples. Um navegador e muita curiosidade podem levar a paragens de grande curiosidade. São muitas informações compiladas, reunidas e hiperligadas pelo Google (que já pensa por você, mané!) capazes de unir papai noel a bomba atômica com muita lógica. Isso sem falar no orkut, fotologs, blogs e congêneres. O hiperlink extrapolou o virtual e já atua conectando pessoas ao redor do mundo de forma bastante real.

Parece sem limites. Quanto mais se navega em mares virtuais, mais parece que há o que se ver e descobrir. No entanto, para a salvação do mundo, real ou virtual, e de nossa capacidade cognitiva, esbarramos em limites, palavra própria e conceito inerente a tudo que é deste mundo: uma página 404. Fim da linha, meu amigo!

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Bumbo de bruma

A luz se fez por entre brumas dublinenses. Hoje acordou um dia de inverno, frio, úmido e escuro, apesar do verão e do carnaval que anuncia seus primeiros gritos. Os telhados de zinco molhados testemunhavam o suave borrifo que caiu das nuvens ao longo da noite escura e profunda. Do mesmo modo, o asfalto exibia uma mistura heterohomogênea de água, óleo, pó, bingas de cigarro, entre outros restos lançados ao chão, testemunha da vida privada dos pedestres que por ali passaram no dia anterior.

Saio afora. Um morador de rua se desperta, olha o dia e murmura palavras ininteligíveis. Sons colidem no ar e caem ao rés-do-chão, desfeitos em seus significados. Lanço-lhe um olhar. Ele, estupefato com o flagrante, põe-se a rir. Esboço uma contração no músculo do canto direito da boca. Passo. No calçadão, ora vazio, um grupo de foliões ornados com colares havaianos sopra seus apitos e bate seu bumbo. Ainda é cedo, poucos cruzam pela vereda, anúncio da alegria às sólidas e suadas paredes de concreto dos edifícios que se eregem dos dois lados.

O dia se inicia. Ante o frio, tudo. Exceto a alegria gris.

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Apud belorizontina

Tudo que move é sagrado
E remove as montanhas
Com todo cuidado...


Singrando o mar de morros desse magífico estado, parte o ônibus com direção à capital, encurtando distâncias, aproximando amizades.

Enquanto a chama arder
Todo dia te ver passar


Sabia que a vida guarda pequenas surpresas e pequenos prazeres: encontrar com uma colega que há muito não via e sempre quando passa pelo BH Shopping sente o pulso acelerar-se num misto de ansiedade, alegria e paixão.

Tudo viver a teu lado
Com o arco da promessa
Do azul pintado pra durar

E sempre aquele desejo e a promessa, ainda hei de morar aqui!

Todo dia é de viver
Para ser o que for e ser tudo

Indescritível sensação de liberdade e de plenitude. A vida corre intensa pelos traços planejados de Niemeyer.

Sim, todo amor é sagrado
E o fruto do trabalho
É mais que sagrado, meu amor

De que vale o trabalho se não for com amor e não gerar frutos?

Lembra que o sono é sagrado
E alimenta de horizontes
O tempo acordado de viver


São inúmeros os horizontes, mas todos são BELOS.

No inverno te proteger
No verão sair pra pescar
No outono te conhecer
Primavera poder gostar
No estio me derreter
Pra na chuva dançar e andar junto
O destino que se cumpriu
De sentir seu calor e ser tudo


BELOS BELO HORIZONTE

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Das cozinhas

Não tem jeito. Basta juntar mais de dois e o lugar minervamente eleito para abrigar o papo, a cachaçada e o petisco é a cozinha. Fim de semana, artigos e ensaios para escrever, chega uma hora que só juntando a galerinha com o pretexto de discutir os pontos principais dos textos-base para dar uma aliviada.

E assim, inesperadamente a mágica acontece. Juntamos Guga, Renata e eu na casa da Ju. Menu du jour? Strogonoff de frango, batata palha e negrito para desinfetar. Resultado? Geral travada de tanta cafeína no sangue, peço pra sair e volto pra casa às 5h15, Guga e Renata só lá pras 9h00, quem sabe. A manhã tampouco nascera.

Outro dia, outra cozinha. Dessa vez aqui em casa para um almoço decidido na hora, mais negrito, mais papo, mais risadas e uma foto marcante, que remonta às mais antigas origens humanas, ao elo perdido.

Pimentae in anus autrem q'sucus est
Pimenta no anus alheio Tang é

quarta-feira, 2 de abril de 2008

A Ilha das Flores

Falando em flores, deixo abaixo um trecho extraído do documentário A Ilha das Flores:

"Livre é o estado daquele que tem liberdade. Liberdade é uma palavra que o sonho humano alimenta, que não tem ninguém que explique e ninguém que não entenda".


Para quem não assistiu, recomendo!


P.S.: nos créditos, os créditos à última frase são dados. Cecília Meireles in Romanceiro da Inconfidência.

terça-feira, 1 de abril de 2008

A moça do vestido de flor

Despediu-se de suas amigas e se pôs novamente em marcha pela vereda. Seu sorriso largo e alvo moldava-lhe o olhar doce e pungente, enquanto a boca versava carinhosas palavras de despedida. Os longos cabelos amadeirados voavam em cachos ao sabor do vento, o mesmo vento que fazia flamular seu vestido de algodão azul cravejado de pequenas flores rosas. O quebrar de seu quadril dava à cena o movimento preciso à cadência dos seus passos. Mulher, pele macia e morena, traçava um caminho etéreo com a música que desprendia de seus poros. Mão à bolsa e o som do celular: Nokia Tune.

O encanto fora quebrado com a péssima escolha do toque musical.

sexta-feira, 28 de março de 2008

Temperos de família

Dizem que somos feitos de água, terra, ar e fogo.
Digo: somos feitos de sal, açúcar, vinagre e azeite; temperos essenciais para que a vida exista.
Primeiro, lança o sal à terra, molha com água, ateia fogo e sopra para não apagar. Eis o pão da vida.
Em seguida, acrescenta o doce da infância, o vinagre da mocidade e o azeite da juventude.
No entanto, o açafrão, o curry, o cominho e o cardamomo, esses sim, são passados, de pouco a pouco, como segredos de família, num belíssimo e estranho ritual de iniciação.

quinta-feira, 27 de março de 2008

Microsoftofóbico

Lex diz: Vc vai me salvar! Pq q o Windows Media Player não executa um vídeo qd eu ponho a legenda?
Ernst Austen diz: WMP é da Microsoft, nao presta.
Lex diz: Hahua! É assim: tô com o arquivo de vídeo xvid e a legenda em srt na mesma pasta,
mesmo nome. Quando clico no vídeo, o WMP abre, mas não roda o filme. Se eu mudo o nome da legenda ele lê perfeitamente.
Ernst Austen diz: Ainda nao entendi pq vc tá usando o WMP. Eu nao uso o WMP desde... sempre, então nao sei como faz com legendas nele, e mesmo se é possível. Se quiser uma dica de outro player, recomendo o mínimo Media Player Classic.
Lex diz: Pq o céu é azul? Pq a chuva é molhada? Pq nada da Microsoft funciona direito?
Ernst Austen diz: Hehehe! Já viu no Word??? Vc clica em Novo Documento e ele não te dá um novo documento!!! Te dá um menu com várias opções e links e vc só queria uma folha em branco!

domingo, 23 de março de 2008

Um dedinho de prosa

Olá você que lê esta primeira postagem do No chão da cozinha. Por que No chão da cozinha? Bem, caro leitor, parte da resposta está na descrição do blog, mas outra parte está no intróito do livro Kitchen, da autora japonesa Banana Yoshimoto, cujo excerto ponho abaixo:

"Creio que a cozinha é o lugar do mundo que mais gosto. Na cozinha, não importa de quem nem como seja, ou em qualquer lugar onde se faça comida, não sofro. Se é possível, prefiro que seja funcional e que esteja muito usada. Com os panos secos e limpos e os azulejos brancos e brilhantes.

Até as cozinhas sujíssimas me encantam.

Ainda que haja restos de verduras caídos pelo chão e esteja tão sujo que a sola dos sapatos fique enegrecida, se a cozinha é muito grande, eu gosto. Se alí ergue-se uma geladeira enorme, cheia de comida, como para pasar todo um inverno, gosto de me encostar em sua porta prateada. Quando tiro os olhos do fogão a gás engordurado e da faca oxidada, na janela brilham estrelas solitárias."

De fato, a cozinha é o lugar da intimidade velada e revelada, o lugar onde se dá a magia alquímica da transformação dos alimentos, onde a família se reúne e onde amigos e parentes trocam confidências.

Bem-vindo à cozinha. Puxe seu banquinho ou sente-se confortavelmente no chão, que, a partir de agora, só vem história!