quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Uirapuru

Uirapuru piou pode saber, é chuva que vem de longe. Dona Célia num acredita não, diz que é coisa de superstição e depois xinga São Pedro quando vai correndo tirar as roupas do varal. Eu já me fico precavida de antes. É só ter ouvido de ouvir: uirapuru piou, é água que vai desabar. Cumpade Muriqui Bom-Dia gosta duma água, daquela que uirapuru num atreve a beber. E vai ele toda manhã pra venda do Seu Tibúrcio sempre na mesma hora, mais pontual que o sino da paróquia. Leva o pregão de boca em boca: bom dia, Dona Amélia; bom dia, dotô Maciel, tá elegante o senhor; bom dia Dona Leci - bom dia, Cumpade Muriqui, e vou passar café, que de água preta vem mais saúde. Padre Florêncio diz que o que dá na terra é bom pro corpo. Nunca vi pé de igreja, nem de hóstia, e de bom pro corpo Padre Florêncio me visita dia sim dia não pra elogiar minha broa. É milho, só pode fazer o bem. Dona Cicinha aparece vez e quando e traz massa de pão de queijo que ela comprou em Belo Horizonte. Cidade bonita, diz ela, cheia de prédio plantado. Só que duvido dela que tem pé de prédio. De pão de queijo então... os que ela traz num tem gosto. Onde vai Padre Florêncio vai Dona Cicinha cuidando dele e bem sei eu que o que ela gosta é de ficar lá no altar posando de vestido novo todo domingo. Vestido de Belo Horizonte, claro, fazenda da fina. Eu modo de num me incomodo com minha saia preta. Vou de calça não, acho afronta. Calça é pra trabalho, pra varrer a casa, limpar o terreiro e amassar pão. Ver Deus e diferente, tem que caprichar. Tenho um trato com Dona Célia, ela pinta meu cabelo e eu pinto o dela de dourado, nem comento do uirapuru. O meu é de preto mesmo, o que importa são as idéias. Se cabelo dourado brotasse de cabeça boa, Seu Armando num roçava pasto, era prefeito. Esse sim, homem rico, estudado, tem terra a num poder imaginar. E tem tanto empregado que parece manada, e pelo que ouço eles comentando na rua, trabalho que vem da terra num é bom pro corpo. Daí Padre Florêncio diz que trabalhar árduo salva. Sei também que ele reza uma missa que não dessas de igreja depois do almoço em dia de domingo na casa de Seu Prefeito. Sinhá Mariluce, mulher dele, é devota fervorosa de Santa Clara e faz agradecer as aventuranças todo dia onze de agosto. E como o povo gosta de aumentar, dizem até que a santa apareceu pra ela em sonho, revelando que Seu Prefeito vai ganhar dinheiro do alto. Padre Florêncio diz que é mensagem do céu, quase milagre. Um milagrinho, coisa bonita de botar no jornal. Melhor nem saber quanto Padre Florêncio pediu de dízimo. Veio gente da cidade grande investigar e ficaram me perguntando o que sabia. Sei de nada não, sim senhor. De sonho meu sei bem e santa é que num tem aparecido por essas bandas. Num entendo esses de gravata que mandam subir igreja basílica e esquecem que Deus gosta de simplicidade. Viesse na minha casa, ia ter tudo de muito simples, lençol branco, pão fresco e bata engomada. Que além de teto num carece mais de viver. Tenho certeza que Deus sabe ouvir o pio do uirapuru e ouve direitinho quando rezo baixo no quarto. Deus nunca me falhou e também não peço coisa de muita. Peço saúde e cabeça boa sem cabelo dourado. E pra fazer uirapuru cantar quando tá perto de época de colheita.

2 comentários:

Raven disse...

Fofo.

Anônimo disse...

Era tão óbvio texto assim de você. Tô cá, sem parar, perguntando pros bordados da saia a razão de só agora. Tempo é fresco, tempera mental as coisas que deveriam ser. Assim sim.

Ps: senti falta da música lá em cima.
Pss: É Fazer disso constante. Nenão?