quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Pedido de casamento

Ouro Preto, 23 de Abril de 1891.

Illmº Snr. Israel Pimentel de Barros.


Antes de tudo apresento-vos meus cordiaes e respeitosos cumprimentos, que os faço extensos à vossa Exmª Familia, em fazendo votos para que o Creador vos conceda vigorosa saude e duradoura felicidade, assim como a todos que vos dizem respeito.


O exclusivo fim que me levou a endereçar-vos esta cartinha foram a immensa sympathia que me inspirou a vossa mana, a Exmª Snrª D. Anna de Pimentel de Barros e a convicção inabalavel de que nella encontrarei os preciosos predicados de uma digna, capaz e honesta esposa, pelo que tomo a liberdade de solicitar-vos sua mão.


Si virdes em mim a dignidade de recebel-a, prestes estou para acceital-a, assegurando-vos antecipadamente cumprir os deveres de um bom esposo.


Quer affirmativa quer negativa espero desta a resposta.


De V. Sª obrgmº e servo.
Manuel José do Carmo

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Presente tal qual prosa para um ente em poesia

O que esboça o sorriso dessa moça
Que se apossa do tempo sem pressa
E atravessa o avesso sem aviso?

O que dizem os brilhos de seus olhos
Que como agasalhos acolhem feito atalhos
As ânsias dos andarilhos?

Quem é que nina a menina em seu regaço
E feminina ilumina os passos e os espaços
Onde o laço se fez pedaço e divina?

É ela: tecelã que enovela o novelo,
Parca que abarca o apelo a que se destine.
Ela é ela é lã e élan. Elaine.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Segredos

Carregava quatro segredos no bolso. O primeiro abria o portão de casa. O segundo, a porta. O terceiro dava acesso a seu quarto. O quarto segredo - este sim! - era para seu coração.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Dois e mais

Eu lhe agradeço pelo bem que me faz.
Ainda que você ache que possa fazer mais,
O que você me traz
Já me faz bem demais!

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Dois e mais

Somos dois e somos mais.

Somos o que somos
somos o que fomos
seremos.

Do que vem de mim
e do que vem de ti
fazemos mais
do que apenas dois são capaz.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Pregação

Dia de domingo fez muito calor. Mais parecia que o sol tinha descido à Terra igual fez o menino Jesus escorregando da cauda da estrela. E fico eu imaginando como deve ter sido pra ele vir lá do céu. Carece de ser coisa de fácil viver no meio desse povo, não senhor. Menino Jesus aqui na cidade é só o que fica no colo de Santo Antônio no altar da igreja, com aquela cara de traquinas, testando a paciência do santo que insiste em fazer o menino aprender a ler. Quer que ele seja estudado! Rico ele já é, tem o reino do céu e assenta à direita de Deus-pai-todo-poderoso. Seu Prefeito, por mais que tente, de menino Jesus tem só um mucadinho de estudo. De menino ele já passou faz tempo e de santo desconfio que nunca teve. E peço todas as noites nas minhas orações que Deus ilumina a vida dele. Quem sabe ele num se arresolve de tomar o caminho das boas aventuranças? Sinhá Mariluce que se apegue com a Santa Clara dela que clareia os passos de Seu Prefeito e mande rezar uma missa bem bonita. Não as de dia de domingo depois do almoço em casa, mas aquelas de dia de domingo de quermesse, a igreja cheinha de gente recebendo o pão da vida na comunhão de olho no doce que vai pra boca depois do ide em paz. Missa de ontem Padre Florêncio fez sermão bonito e cheio de moral e retidão. Disse que pro reino do céu vão os que levam a vida na simplicidade e na honestidade. Dotô Maciel, que tem por trabalho vigiar a cidade de bandido mas vira e mexe anda é resolvendo problema de vida pessoal que pula a janela de casa e para nas bocas da praça, fez que concordava com seu Padre e bem olhou pra algumas pessoas, modo de se certificar que tinham recebido a palavra da salvação. Dotô Maciel que trate de fazer a honestidade, ainda tem muito trabalho de salvar pela frente. Seu Armando, que ouvia com atenção a pregação, fez só abaixar a cabeça. Esse sim, homem direito. Eu, na hora da comunhão, pedi ajoelhada a Nosso Senhor que me aceitasse como sua serva e que nos caminhos tortuosos me guiasse com humildade.

Veja a primeira parte deste texto aqui.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Inseto raro

Insetos alados são almas dos mortos que vadiam em busca de lâmpadas na América Central. A formiga fora da lei passeia sua falta de gravidade pelo teto das casas. Vinte mil lentes das abelhas remontam uma retina de mel; os fragmentos do mundo em pedaços. Anos depois, as baratas e suas carapaças sobrevivem ao caos nuclear. Inseto raro. Seis patas para cavalgar o tempo.

Titane in A lavadeira, o varal e a saudade.

domingo, 20 de junho de 2010

Liberdade

Todos os dias pela manhã, acordava, abria a janela e deixava-se possuir pela ventania. Virava vento.

sábado, 5 de junho de 2010

Aprendizado

Era uma vez um menino. Um menino como esses de histórias de era uma vez. Ele era um menino que sempre sonhava em ir longe. Não se sabe se ele tinha um objetivo, um destino certo. Só se sabia de seu desejo de chegar além de onde ele imaginava conseguir ir. Para isso, reunia todas suas forças e começava a empreitada. O caminho se fazia fácil no início, mas com o tempo e o desgaste, ia se tornando cada vez mais difícil. Chegava um momento em que o peso de seu corpo, o suor e o cansaço lhe venciam e ele caía por terra. Orgulhoso como era, voltava ao início do caminho, tentando dessa vez passar por outros lugares que pareciam mais fáceis. Em vão. Com o passar do tempo, a marcha se fazia mais laboriosa e o menino não resistia e tombava. Por buscar sempre a perfeição em tudo que fazia, retornava ao princípio de tudo e recomeçava a marcha. E caía. E assim foi sucessivamente até que um belo dia, estirado ao chão, em vez de olhar para trás e lamentar as dificuldades do caminho, ele olhou para frente e viu o horizonte que o aguardava. Levantou e seguiu.

terça-feira, 1 de junho de 2010

Impressionista


Verde e azul era seu princípio.
Logo após, pulverizações brancas pareciam flutuar.
Criaram-se pequenas esferas multicoloridas
que se espalharam por todo o verde.
No canto direito, uma pequena esfera rebelde havia tomado conta
e fez-se um borrão verde e marrom ao final.
Era tão grande que uma mancha escura apareceu pelo verde primário.
Enquanto fitava o azul e desejava dar-lhe mais luz,
um risquinho colorido passou voando para o lado de lá,
uma borboleta quiçá.

De repente, daquele canto infértil,
um banco de areia que descompunha minha tela,
surgiram olhos, boca, mãos e sentimentos.

Como pode, meu Deus, tão pequenino ser
folgar-se junto a meu paraíso?

E caio na real. Foi só me distanciar,
só um pouquinho,
e observar a cena.

Era apenas um jardim
onde brincava quando pequeno.

escrito em 5 de setembro de 2001

sábado, 22 de maio de 2010

O tom

"... acabamos descobrindo que os dois buscamos a mesma coisa: encontrar o nosso tom. O da nossa linguagem, da nossa arte, e - isso vale para qualquer pessoa - o tom da nossa vida. Em que tom a queremos viver?"


Sorrio e digo: em ti maior.


* Lya Luft in Perdas & Ganhos

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Construção


Temos uma espécie de dever. Dever de sonhar, sempre. Pois sendo mais do que um espetáculo de nós mesmos, buscamos o melhor espetáculo que podemos. E, assim, nos construímos a ouro e sedas, em salas supostas. Inventamos palco, cenário, para vivermos nosso sonho entre luzes brandas e músicas invisíveis.

Sonhar mais um sonho impossível...

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Cavaleiro marginal

Diga por qual das maluquices quem me viu me condena e me manda de volta à casa para tomar conta de minha mulher e meus filhos sem saber se os tenho? Tem alguém o direito de entrar na casa alheia e dar ordem aos seus donos? Pode qualquer um intrometer-se nas leis da cavalaria e julgar os cavaleiros andantes? Será porventura perder tempo vagar pelo mundo, não para divertir-se, mas para experimentar-lhe as asperezas e assim conquistar a imortalidade? Pouco se me dá que me tenham por louco aqueles que nada sabem da cavalaria. Pois cavaleiro sou. E cavaleiro hei de morrer.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Nietzscheano

Abri a janela e o dia entrou diferente. Tudo que meus olhos viam era o mais puro amor.

Desculpe, Clarice, ultrapassei sua literatura.

sábado, 24 de abril de 2010

Probabilidades

1 em 11.500 de vencer o Oscar
1 em 649.740 de tirar um royal flush na primeira mão
1 em 662.000 de conquistar uma medalha olímpica
1 em 50.063.860 de ganhar na Mega Sena
1 em 7.000.000.000 de encontrar você

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Cavalheiro do Ocaso

Saíam amiúde a passear pelo campo tomando ar fresco e esquentando-se ao sol que antecede o ocaso. Como dois astros a bailar pela Via Láctea, ambos se orbitavam, se refletiam e não se eclipsavam.

Ele, sempre muito atento às suas palavras, mostrava-lhe calado as miudezas do céu e da terra. Cada gesto seu era permeado de palavras - um discurso sobre o que há e o que não-há que era somente compreendido pelos dois.

Davam-se as mãos, sentavam-se à beira do riachinho, molhavam os pés, coletavam pequenas pedrinhas do leito, jogavam as cinco marias. Olhavam-se. Riam-se. À volta, como naquelas histórias infantis, ele recolhia um ramalhete de flores e as soprava pelo caminho. E a felicidade, então, apenas seguia o perfume.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Aurora

Eis que o dia termina deitado numa cama de brancos lençóis. O perfume do banho exala um misto de cansaço e leveza, sensações antônimas que só podem se unir nessas pequenas horas. A noite gera um novo dia em seu ventre escuro e profundo e o pensamento ainda vive o frenesi das grandes avenidas. O corpo desprende pelos poros a agitação absorvida no quase roçar das gentes em seus ires e vires. Deitado aqui nesta cama, alhures, pode então fantasiar, enquanto aguarda pelo último suspiro da consciência, que a aurora e sua sinfonia, por fim, aplaque a solidão.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Parte sem par

você não mais está
o colchão
dá o limite de seu corpo
a marca de seus pés
figuram no chão
o tato de sua pele
esvai-se como perfume recém passado

a saudade arde
queima
corroi
esfarela

sou um errado errante
uma alma sem ânima
um orbe sem órbita
um amante sem amor

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Reflexo

Teus olhos refletiam a luz do ambiente. Ainda que, quando estávamos juntos tudo à nossa volta sumia, a confusão de luzes da cidade fazia por revelar ainda mais a ternura de teu olhar.

E enquanto escrevias, pensei sobre a sensação do tato sob as pontas da minha mão direita. A mesa. Mas não há mesa, não há nada à nossa volta quando estamos juntos. Nem a pressão do meu cotovelo na mesa enquanto a mão esquerda apoia meu queixo para minha cabeça admirar-te enquanto escrevias. Não há mesa. Há apenas tua presença por todo o ambiente e em ti me apoio e se não es tu no tato da ponta dos meus dedos, es tu quem entra por meus ouvidos quando te admiro em teu silêncio.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Anatomia

Na força das mãos dele é que encontrava sua força.

Na presença de seus pés é que encontrava seu caminho.

Através de seu amor, fluido que nem seu sangue, a vida corria por suas veias.

No abraço dele é que encontrava o molde perfeito no qual se lapidava diariamente.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Alquimia

Em ti o que meus olhos miram
          admiram
Todos os feitos de que es capaz
          paz
Pois teu gesto perfeito na forma
          transforma
O artifício de que sou feito
          imperfeito

Estendes tua mão e me convida
          à vida
E espalhas por meu caminho
          carinho
Sei-te feito todo em ouro
          meu tesouro
E bênçãos sobre ti derramo
          Te amo.