domingo, 17 de maio de 2009

Oito e meio

Se pudesse afixar um adjetivo à testa, escolheria introspectiva, mas as pessoas a viam como melancólica. Era do tipo cabisbaixa, andava pelas ruas a perscrutar o chão e a contar bocas-de-lobo. Havia 17 delas no caminho entre sua casa e a escola, além de algumas tampas da companhia telefônica que ostentavam sua fabricação em 1896. Esse costume acabou por dar-lhe uma curva a mais e a render-lhe alguns centavos que, de tempos em tempos, achava pelos cantos. Sua riqueza não ultrapassava algumas patacas, afinal, não era dada a grandes riquezas.

O que vividamente procurava e sem muito sucesso encontrava eram pequenas sensações. Ver um passarinho agitar uma poça de água após a chuva, testemunhar o desabrochar de um botão de rosa, sentir o frescor do roçar da gota de orvalho na folha espalmada, acompanhar a evolução do ponteiro dos minutos, todas essas já havia experimentado. Debalde. Eram tão pequenas que se tornavam intangíveis, incapturáveis, fugidias, efêmeras.

Um dia estava a caminho da escola e, entre a oitava e nona boca-de-lobo, viu um saco de pipocas lançado ao chão. Parou, examinou-o fixamente e viu que as manchas de gordura deixavam transparecer algo. Olhou para os lados, abaixou-se, tomou o pacotinho em suas mãos, abriu-o e olhou-o dentro. O vazio que via era tão grande que pareceu-lhe a imensidão do universo. Mais uma pequena sensação se ajuntava às outras de sua coleção.

No ímpeto de dar àquele universo vazio e infinito sua primeira explosão, ventilou os pulmões de ar, assoprou firmemente e comprimiu-o contra a palma da mão. Foi quanto viu expandir em raios cósmicos, bem à sua frente, a felicidade.

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