quinta-feira, 3 de julho de 2008

Moi non plus

"Je t'aime
Oh, oui, je t'aime

-Moi non plus"


Estes são os versos do refrão [se se pode chamar refrão] de uma música francesa muito divulgada na época de seu lançamento. Aqueles que já a ouviram, com certeza reconheceram de primeira, já quem não ouviu ou não se lembra, essa música se tornou famosa por ser cantada de uma forma erótica por Jane Birkin, que simula gemidos de prazer sexual, enquanto Serge Gainsbourg simula o macho dominador com sua voz grave e também sussurrante.

A letra, em si, não possui nenhum atrativo ou algo de muito explícito. A relação sexual é tratada através de metáforas tais como "tu és a vaga / e eu a ilha nua" e "eu vou e venho / entre teu quadril". Agora, o mais interessante são justamente os versos que abrem este post.

Em uma tradução adaptada à nossa realidade, diríamos:
"Te amo
Oh, sim, te amo

-Eu também"


Contudo, se traduzíssemos ao pé da letra, teríamos:
"Te amo
Oh, sim, te amo
-Eu não mais"

Entendo que a intenção do compositor, ou da própria língua francesa, seja nivelar o amor de ambos. Um não ama mais que o outro. O amor é contrário apenas em sentido, indo de um para o outro e do outro para o um, mas não em intensidade, sendo iguais no mesmo patamar. Observe que, segundo esta interpretação, o amor é nivelado por cima, por um teto. O eu-lírico, ao dizer que não tem mais amor pela segunda personagem do que ela por si, sutilmente impõe um limite superior ao amor, mantendo-o restrito a esse máximo.

Este pensamento é contrário à percepção de amor que a maioria de nós temos, o do amor infinito e, muitas vezes, incondicional, à imagem do amor divino. Quando dizemos que também amamos a alguém, não estabelecemos nível de intensidade, mas também não há limites. Uma forma de contornarmos este problema seria enunciar: "amo-te na mesma intensidade" ou talvez "amo-te da mesma forma que me amas" [muito mais envolvente que o pífio idem algumas vezes utilizado].

Pertinente ao tema torna-se a pergunta: "tenho limites ao meu amor"?

Florbela Espanca já tem a resposta para si:

"Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: Aqui... além...
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente...
Amar! Amar! E não amar ninguém!"

E mesmo que o amor seja desfeito, ela contesta:

"Sobre um sonho desfeito erguer a torre
Doutro sonho mais alto e, se esse morre
Mais outro e outro ainda, toda a vida!

Que importa que nos vençam desenganos,
Se pudermos contar os nossos anos
Assim como degraus duma subida?"

9 comentários:

Anônimo disse...

Não parei para pensar na conexão, mas lembrei disso enquanto lia seu post:

Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o cru,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave
de rapina.Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.

Drummond

Raven disse...

Legal, você republicou esse seu texto!
Essa música francesa é de lascar o cano, hehehehe!...
Bem, já que você retornou com o texto, eu volto com meu comentário (rabugento, confesso): o povo tem que começar a amar mais e teorizar menos...
Beijocas!

Raven disse...

Sabe que o Blogger não aceitou a janelinha da Last Fm de jeito algum? Fiquei desolada :P

Anônimo disse...

Acredito que esse 'limite superior' na verdade pode ser o limite entre eu e o outro. Ou melhor, eu te amo tanto ou menos (e nunc amais) do que amo a mim mesmo...

retrolectro disse...

belo blog.

Anônimo disse...

Desculpa a breguice, mas me lembrei que, em Ghost, o cara nunca dizia "também te amo", só "idem...", e eu sempre achei essa a melhor sacada do filme.

Bernardo disse...

Eu ia comentar justamente isso do Idem hehehe quem diz isso é porque viu muito Ghost, mas adorei o post :) Refleti.

Anônimo disse...

Acho que os benefícios e mazelas do nosso amor são fruto da nossa cultura ocidental ora passional, ora cristâ, ora credora, ora caridosa. Aprendemos a usar o amor como mil e uma utilidades. Só assim pra explicar: amar é lindo e traz felicidade, mas é também uma forma de exclusão. Se eu amo você, não amo o resto do mundo.

Florbela sabia expressar amor ocidental como ninguém. Piegas, amadora e verdadeira. Muito feliz a referência.

Anônimo disse...

Grande Espanca, sou fã. Encaixou perfeitamente. Quanto ao "idem", considero reles também. Compartilhamos da mesma idéia, pra variar... Embora a percepção de amor e o seu valor sejam impregnados a todos nós, mais cedo ou mais tarde, acho interessante ver que, ainda assim, cada pessoa ama de uma forma individual. Com suas intensidades e seus limites. E salve Gainsbourg, que é um gênio. Muito feliz em suas citações!!!