quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Cinco centavos

Nada se perde, tudo se transforma. Achei uma moeda de cinco centavos no chão. Não que valha muito, afinal, após a extinção da moeda de um centavo, a de cinco passou a ser a de menor valor.

Talvez quem a deixou cair no chão nem tenha percebido. Ou talvez tenha voltado à pé para casa. Nesta última hipótese, seu valor beiraria o inestimável.

Destinada a um cofre qualquer, aquela moeda, cujo real valor nunca saberemos, calhou de mostrar-se a meus míopes e recém acordados olhos. Abaixei-me, recolhi aquele pedaço de metal tirado à calçada e guardei em meu bolso.

A princípio, uma atitude corriqueira e inofensiva, uma vez que seria impossível rastrear seu último portador. Passado o dia, a sensação de estar retendo algo que não é de meu. Bagatela. Mas não minha.

Passarei-a adiante. Talvez deliberadamente deixe-a em algum lugar em que alguém, com olhos quiçá astigmatas e cansados da jornada, possa vê-la e decidir a sua sorte. Assim ela, ou outra moeda cujo valor real também nunca iremos saber, chegará novamente em minhas mãos, completando o ciclo de trocas econômicas, mas, sobretudo, de reais valores que nenhum engenho é capaz de medir. Isso lá são coisas da arte.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Mais pura religião

Há uma semana tenho estado melancólico. Lembro-me bem. Era uma segunda-feira e o despertador tirava-me do sono para que iniciasse as tarefas do dia. Seu insistente chamado, diametralmente oposto ao canto das sereias, fosse pela hora em que tocava, fosse por seu ritmo compassado que ecoava a cadência das incessantes máquinas nas outroras fábricas inglesas do século XVIII, despertou em mim, contudo, o lento arrastar da prostração.

Quase um quadro kafkiano. Exceto por não ser eu um inseto, metamorfoseava-me a um eu-mesmo que se encontrava já longínquo de meu atual momento. O mavioso canto de meus lençóis vencera-me e fizeram-se eles um simbólico casulo a embrulhar-me as asas.

Desde então venho andando acompanhado deste taciturno e introspectivo ser que fui durante um bom tempo e que, por outro bom tempo, foi-me negado sê-lo. Negado fui de estar entristecido e isto foi-me mais penoso que o teria sido a própria tristeza. Estar triste sempre foi-me uma forma de navegar em direção à minha essência, de tapar as orelhas com cera, atar-me ao mastro da nau que, como em uma peregrinação, levar-me-ia ao oráculo em que, na forma mais pura de religião, poderia ouvir ao velho sábio que em mim habita.

Hoje furtivamente deitei nos ombros de meu pai e através desse gesto falou-me o velho sábio. Atavismos. A sabedoria concretamente manifesta em um ombro onde pude deitar cabeça e consciência. Pai e filho hierarquicamente dissolutos. O silêncio deste breve momento bastou.

Ouvi a voz eterna de Deus. Ela é muda.