terça-feira, 26 de maio de 2009

Querida Manu,

Hoje desencadeou-se em mim um processo de destruição (ou seria lapidação?) de mim. Ontem abri meus planos para minha mãe, meu maior ponto fraco. Disse a ela tudo, tudo mesmo, Manu. Tudo o que se passou pela minha cabeça nesse último mês. Contei-lhe da vontade de me mudar para Buenos Aires e dos benefícios que essa mudança me traria. Contei-lhe de todos os medos que me paralizam. Ela me olhou atentamente em todos os momentos, perguntou se era isso mesmo que eu queria, e disse, com certo rancor na voz, que era para eu ir logo e tirar isso de cabeça.

Hoje percebi o que se passou naquele momento. Quando conversei com ela, Manu, não estava pedindo permissão para ir ou comunicando uma decisão, eu estava pedindo acolhimento, estava pedindo era para ficar. E ela não me impediu, Manu. Ela não estendeu seus acolhedores braços em atenção ao meu pedido e em socorro à minha alma. Ela não me deu o colo que pedi. E nesse gesto, ela cumpriu com a fatalidade de seu papel de mãe. Senti que seus braços se me escapavam, assim como quando a fonte do seio se seca e não há mais leite para alimentar a criança.

Manu, nesse momento ela me botou no mundo como que dizendo "ainda que me doa, agora é com você". Senti-me sozinho e isso é amor, Manu. Não é o amor que pedi, não é o amor que eu queria. Tive o sábio amor materno que sabe do que precisa sua cria. Esse amor que cega o medo, ainda que eu ainda não esteja pronto para recebê-lo.

Sim, Manu, o amor liberta. Tirei um mundo das costas para ganhar a vazia imensidão do mundo. Estou assustado, mas com mais certeza do chão que piso... desse mesmo chão que a mim não me foge.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Vacilamento

Bem mal o sol havia se posto por trás dos montes, entrou no ônibus que o levaria em sua viagem de volta para casa. Largando de si os belos horizontes, abria espaço para a melancolia. Sentado naquela estreita poltrona, nada mais podia fazer a não ser contemplar as primeiras estrelas que surgiam no firmamento. Foi então que testemunhou que o céu, vacilante como ele, girava mais rápido com as curvas da estrada.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

W intrometido!

domingo, 17 de maio de 2009

Oito e meio

Se pudesse afixar um adjetivo à testa, escolheria introspectiva, mas as pessoas a viam como melancólica. Era do tipo cabisbaixa, andava pelas ruas a perscrutar o chão e a contar bocas-de-lobo. Havia 17 delas no caminho entre sua casa e a escola, além de algumas tampas da companhia telefônica que ostentavam sua fabricação em 1896. Esse costume acabou por dar-lhe uma curva a mais e a render-lhe alguns centavos que, de tempos em tempos, achava pelos cantos. Sua riqueza não ultrapassava algumas patacas, afinal, não era dada a grandes riquezas.

O que vividamente procurava e sem muito sucesso encontrava eram pequenas sensações. Ver um passarinho agitar uma poça de água após a chuva, testemunhar o desabrochar de um botão de rosa, sentir o frescor do roçar da gota de orvalho na folha espalmada, acompanhar a evolução do ponteiro dos minutos, todas essas já havia experimentado. Debalde. Eram tão pequenas que se tornavam intangíveis, incapturáveis, fugidias, efêmeras.

Um dia estava a caminho da escola e, entre a oitava e nona boca-de-lobo, viu um saco de pipocas lançado ao chão. Parou, examinou-o fixamente e viu que as manchas de gordura deixavam transparecer algo. Olhou para os lados, abaixou-se, tomou o pacotinho em suas mãos, abriu-o e olhou-o dentro. O vazio que via era tão grande que pareceu-lhe a imensidão do universo. Mais uma pequena sensação se ajuntava às outras de sua coleção.

No ímpeto de dar àquele universo vazio e infinito sua primeira explosão, ventilou os pulmões de ar, assoprou firmemente e comprimiu-o contra a palma da mão. Foi quanto viu expandir em raios cósmicos, bem à sua frente, a felicidade.

domingo, 3 de maio de 2009

Os equilibristas e suas esperanças

"A esperança de não cair é o último medo do equilibrista, quando deveria ter sido o único?"

Fabrício Valente