domingo, 23 de novembro de 2008

Uma mínima reflexão acerca de vestibulares e cotas

A Universidade Federal de Juiz de Fora, há alguns anos, disponibiliza cotas para o ingresso de negros na referida instituição em ambos processos seletivos: Concurso Vestibular e Programa de Ingresso Seriado Misto, conhecido por Vestibular Seriado.

Entretanto, as inscrições só podem ser feitas através da internet. Agora, acessando a página da UFJF, acabo de ver que o Manual do Candidato está disponível para download.

Resumo da ópera: você pode se autodeclarar negro, mas para isso precisa ter acesso à internet e a uma impressora com a finalidade de ter em mãos as 48 páginas de instruções acerca do concurso.

De domingos e borboletas

Lex: Por que domingo dá fome?

Juliana: Acho que são as borboletas.

Dux: Ah, Lex, o Dux tá sempre com fome!

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Boêmio

Sob a noite enluarada
Um moço a passear
Com ar de curioso
Resolve a vida espiar

Dobrando uma esquina
Um mendigo e sua cruz
Prepara seu leito de sono
Ali na rua à meia-luz

Ao passar por uma praça
Uma mulher o seduz
Joga todo seu encanto
Ali na rua à meia-luz

O moço a passear
Segue o caminho que o induz
A observar a vida à noite
Ali na rua à meia-luz

Mais à frente em um gueto
Pai-de-santo traduz
As mensagens de seus deuses
Ali na rua à meia-luz

Volta o jovem a meditar
Seu pensamento o conduz
Na madrugada sob o luar
Ali na rua à meia-luz

escrito em junho de 2000

sábado, 15 de novembro de 2008

Paradigmas

... e depois de dois anos vivendo em ilusão, a Marcela descobre que o sapo que ela alegremente carrega dependurado em seu chaveiro é, de fato, um hipopótamo.

... foi uma quebra de conceitos....

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Verso simples

Quis escrever um simples verso
Não uma grande poesia
Num grande hepteto
Com métrica em redondilha
Maior ou menor.
Sei que um simples verso
Não pude escrever
Mas este pormenor,
Detalhe que seja,
Vale pelo que há de maior:
"Eu amo você".

escrito em 2000

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Uirapuru

Uirapuru piou pode saber, é chuva que vem de longe. Dona Célia num acredita não, diz que é coisa de superstição e depois xinga São Pedro quando vai correndo tirar as roupas do varal. Eu já me fico precavida de antes. É só ter ouvido de ouvir: uirapuru piou, é água que vai desabar. Cumpade Muriqui Bom-Dia gosta duma água, daquela que uirapuru num atreve a beber. E vai ele toda manhã pra venda do Seu Tibúrcio sempre na mesma hora, mais pontual que o sino da paróquia. Leva o pregão de boca em boca: bom dia, Dona Amélia; bom dia, dotô Maciel, tá elegante o senhor; bom dia Dona Leci - bom dia, Cumpade Muriqui, e vou passar café, que de água preta vem mais saúde. Padre Florêncio diz que o que dá na terra é bom pro corpo. Nunca vi pé de igreja, nem de hóstia, e de bom pro corpo Padre Florêncio me visita dia sim dia não pra elogiar minha broa. É milho, só pode fazer o bem. Dona Cicinha aparece vez e quando e traz massa de pão de queijo que ela comprou em Belo Horizonte. Cidade bonita, diz ela, cheia de prédio plantado. Só que duvido dela que tem pé de prédio. De pão de queijo então... os que ela traz num tem gosto. Onde vai Padre Florêncio vai Dona Cicinha cuidando dele e bem sei eu que o que ela gosta é de ficar lá no altar posando de vestido novo todo domingo. Vestido de Belo Horizonte, claro, fazenda da fina. Eu modo de num me incomodo com minha saia preta. Vou de calça não, acho afronta. Calça é pra trabalho, pra varrer a casa, limpar o terreiro e amassar pão. Ver Deus e diferente, tem que caprichar. Tenho um trato com Dona Célia, ela pinta meu cabelo e eu pinto o dela de dourado, nem comento do uirapuru. O meu é de preto mesmo, o que importa são as idéias. Se cabelo dourado brotasse de cabeça boa, Seu Armando num roçava pasto, era prefeito. Esse sim, homem rico, estudado, tem terra a num poder imaginar. E tem tanto empregado que parece manada, e pelo que ouço eles comentando na rua, trabalho que vem da terra num é bom pro corpo. Daí Padre Florêncio diz que trabalhar árduo salva. Sei também que ele reza uma missa que não dessas de igreja depois do almoço em dia de domingo na casa de Seu Prefeito. Sinhá Mariluce, mulher dele, é devota fervorosa de Santa Clara e faz agradecer as aventuranças todo dia onze de agosto. E como o povo gosta de aumentar, dizem até que a santa apareceu pra ela em sonho, revelando que Seu Prefeito vai ganhar dinheiro do alto. Padre Florêncio diz que é mensagem do céu, quase milagre. Um milagrinho, coisa bonita de botar no jornal. Melhor nem saber quanto Padre Florêncio pediu de dízimo. Veio gente da cidade grande investigar e ficaram me perguntando o que sabia. Sei de nada não, sim senhor. De sonho meu sei bem e santa é que num tem aparecido por essas bandas. Num entendo esses de gravata que mandam subir igreja basílica e esquecem que Deus gosta de simplicidade. Viesse na minha casa, ia ter tudo de muito simples, lençol branco, pão fresco e bata engomada. Que além de teto num carece mais de viver. Tenho certeza que Deus sabe ouvir o pio do uirapuru e ouve direitinho quando rezo baixo no quarto. Deus nunca me falhou e também não peço coisa de muita. Peço saúde e cabeça boa sem cabelo dourado. E pra fazer uirapuru cantar quando tá perto de época de colheita.

sábado, 1 de novembro de 2008

Falar de mim?!?

Bom, já tentei arduamente ser normal, mas nunca consegui estabelecer parâmetros e hoje gosto de viver na diferença. Gosto de todo dia, pelo menos, ter uns 15 minutos de conversa inteligente, daquelas que te deixa pensando no banho. Adoro pensar no banho. E antes de dormir. Gostaria de rezar mais do que o faço. Sou tímido e muitas vezes calado. Aprendi que certas coisas não se falam. E tenho medo de saber falar só dessas coisas. Adoro Clarice Lispector, só que tem um tempo que estou de jejum dela. Não gosto de TV. Mas gosto de assistir a filmes. Também não gosto de beber água e por isso mesmo tive cálculo renal. Aprendi a tomar água mesmo sem vontade. Gosto de andar à pé sem rumo, ou pelo menos, aparentemente sem rumo. Adoro suco de laranja, bolo de cenoura, quindim, chocolate e suco de maçã com soja. O de uva com soja também é bom e tem uma cor esquisita. Quer me ver feliz? É só juntar uma turminha gostosa, com música boa, uma bebidinha qualquer (pode ser refrigerante) e não preocupar com horário. Gosto de estar em lugares onde me sinta em casa. Sou muito caseiro. Canceriano. Dizem que é assim... Corajoso mas inseguro, ousado mas clássico. Minha busca nesse momento da vida tem sido o real, o tátil, o que pode ser experimentado. E já experimentei muita coisa. Só jogo um jogo no computador: SimCity 4. E posso ficar dias jogando! E adoro um buraco, daqueles que vai noite adentro com café e pão-de-queijo. Só que não sou de comer pão-de-queijo. Podemos trocar pela broa? Tenho preguiça de acordar e de fazer a barba. Adoro dirigir na estrada, não se importe com os solavancos na cidade. Há dias que tenho vontade de mato, outros de praia, outros de céu. Falo a língua das tempestades, mas isso deveria ser um segredo. Só sei desenhar palitinho e isso me frustra. Já rabisquei poesia, mas não mais. Há dias que me sinto velho, há dias que me sinto estúpido, e há dias que dá vontade de sentar e ver o sol se pôr. Gostava de conversar com a janela, mas desde que mudei, não fiz amizade com a nova. E já são 4 anos e meio. Tem horas que acho que Deus lembra de mim. Tem horas que tenho certeza que ele está comigo.